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A mulher não está homenageada nas ruas

 

Deborah Prates, advogada e deficiente visual

 

Num certo dia um motorista ao me conduzir ao endereço combinado o fez com o auxílio de um GPS. Então, fui prestando atenção nos nomes das ruas que o aplicativo ia falando. Chamou-me a atenção o fato de não ter ouvido nenhum nome de mulher nas ruas anunciadas.

Espantada com o óbvio travei um pequeno diálogo com o motorista:

– O senhor costuma ouvir nomes de mulheres nas ruas e praças nos trajetos que faz?

– A senhora sabe que nunca parei para pensar sobre isso! Mas agora, pensanbo bem, acho que não. Mas, por que a pergunta?

– Talvez porque seja feminista. De repente me veio esse questionamento.

Na privacidade das minhas reflexões fiquei a lembrar dos nomes das ruas no bairro onde moro e nos vizinhos. Inacreditavelmente não recordei nenhuma rua com nome de mulher. Chegando em casa fui pesquisar e confirmei a inexistência de qualquer homenagem a uma personagem mulher traduzida em uma placa de rua no entorno da minha residência.

placa-de-rua

Detectei algumas poucas em outras localidades. Nossa, uma migalhice comparando-se as homenagens concedidas aos homens. De longe podemos entender essa constatação como algo banal. Ao contrário, as mulheres precisam estar mais unidas para que o movimento feminista tome corpo. Vale dizer que necessitamos estar mais nas ruas. Ocupar, de verdade, os espaços públicos e privados que também são nossos por humanidade e competência.

Claro que essa observação deve-se ao patriarcado que nos assola desde sempre. É que o homem reduziu a mulher a uma coisa dando-lhe um significado puramente material. Verdadeiramente a mulher ainda é vista como um ser insignificante, secundário. A lógica é que, como uma coisa, não pode ser alçada a um personagem capaz de receber uma homenagem revelada num nome de rua, monumento, praça, etc. Incontestável é que a exceção serve para confirmar a regra de que a igualdade de gênero ainda é incipiente.

Para o pensador grego Aristóteles os homens eram seres pensantes, pelo que decidiam avida na pólis. Iam às ruas fazer política. Já as mulheres eram seres secundários, não pensantes, razão porque tinham os seus lugares da porta para dentro, melhor dizendo, confinadas nos lares. Por não serem essenciais é que serviam para procriar e criar os filhos, bem como cuidar dos escravos e animais.

Lamentavelmente essa ideia ainda está entre nós em 2016, pelo que carecemos refletir, conversar sobre esse sutil detalhe. Faz pouco tempo que a grande mídia noticiou uma matéria dando ênfase a uma mulher de “sorte”, anunciando-a como bela, recatada e do lar. Por estarmos mais zelosas e reflexivas foi que demos o troco nas redes sociais com muita veemência, de modo a abominar e rechaçar os predicados enfatizados na machista notícia.

Notadamente não queremos mais estar confinadas nos domicílios, tampouco nos importa a beleza, o recato e o abominável título de a rainha do lar. Hoje queremos ser vistas e julgadas pela nossa competência em todas as áreas do conhecimento. Isso sim!

A partir destas ponderações, se faz prudente pensar: e as mulheres com deficiência? Representando esse seguimento afirmo que não encontrei qualquer placa de rua homenageando uma mulher com deficiência.

Claro que temos muitas de nós que lutaram bravamente, por exemplo, pela aprovação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a fim de que tivesse status de Emenda Constitucional e tiveram sucesso nessa empreitada desgastante. Por que não estão homenageadas nas ruas? Existem muitas outras que se destacaram na nossa luta pela igualdade e que estão no esquecimento nessa nossa sociedade tão preconceituosa. Notório que as mulheres com deficiência ainda estão em fase gestacional. Precisamos nascer!

Tenho participado de muitas conversas em praças públicas na RJ e, com segurança, digo que tenho sido a única mulher com deficiência. Sempre peço a palavra e, ao usar o microfone, faço essa checagem. Pena mesmo!

Gritar, demandar, reclamar e estar nas ruas é o que temos a fazer, a fim de conquistar o nosso lugar dentro do movimento feminista.

SORORIDADE é a palavra mágica da hora. Mulheres com e sem deficiência precisam se unir para o fortalecimento do direito de igualdade de gênero. Mas, como conseguir essa visibilidade?

Indubitavelmente a resposta está nos valores e princípios éticos. O que as mulheres estão fazendo umas com as outras? Nítido que essa convivência vai muito mal! Tanto é assim que não somos chamadas para as rodas de conversas sobre as pautas de nosso interesse.

As mulheres sem deficiência precisam encontrar a si próprias para que enxerguem as mulheres com deficiência como iguais. Estas têm que reconhecer que não somos quase alguém. Somos sim mulheres de direito e obrigações tanto quanto elas. Daí, ficará fácil encontrarem à alteridade.

Creio que a pior cega é a que não quer ver, não é mesmo?

Pensar, pensar, pensar…

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