
Manaus, 30 de abril de 2017.
Prezadas companheiras da partidA,
Escrevo esta carta tendo em perspectiva os limites de um lugar de fala. Os limites do lugar de fala estão, no entanto, diante de limites do lugar de escuta aos quais todas estamos condenadas. Ligamo-nos portanto, inicialmente, por um desejo que nos leva umas às outras e que, ao mesmo tempo, nos impede de chegar tão perto. No entanto, por meio da reflexão cuja qualidade almeja ser a sinceridade, espero poder respeitar esses limites e torná-los potentes como lugares a um só tempo críticos e criativos.
O que venho chamando de feminismo dialógico nada mais é do que o esforço conceitual de pensar esse encontro tenso e intenso de fala e escuta entre nós. Nós, que somos sujeitos históricos heterodenominados mulheres, sujeitos que assumimos nossas marcações politizando, desse modo, a condição de nosso aprisionamento na alucinação machista. É a fantasia perversa do machismo que desmontamos com nossos gestos.
Tornamo-nos feministas no momento de uma virada pessoal e cultural, subjetiva e objetiva, dessa grande mudança que é, ao mesmo tempo, particular e histórica a que chamamos feminismo. O feminismo é fundamentalmente o processo de chegada à consciência e ao corpo a um só tempo, uma forma de contraconsciência em relação ao delírio machista e racista que é o capitalismo. A transformação concreta acerca dos direitos das minorias políticas, sabemos, não existe sem o feminismo.
Ora, não podemos perder de vista que somos maioria em termos populacionais, mas também somos maioria enquanto alvo de toda violência, seja ela física ou simbólica. No entanto, e justamente por esse último aspecto, somos minoria no que concerne ao poder e participamos de seus jogos sempre em um lugar subalternizado, marginalizado ou excluído. É essa mesa na qual estão sentados os sacerdotes do racismo-machismo, mesa na qual jaz o cadáver ainda quente da democracia brasileira, que somos chamadas a virar por meio de nosso movimento.
O feminismo modifica a estrutura da sociedade ao questionar as condições de raça, classe, gênero, idade, normalidade, corporeidade e sexualidade armadas sobre o grande sistema religioso da certeza paranoica que é o machismo estrutural. O combate à paranoia machista – sempre racista – nos obriga a ações e instaura o feminismo para além do que entendemos como racionalidade e como lógica, como uma politização que leva em conta o corpo vivo. Nosso lugar é o da crítica a toda uma ordem biopolítica. É, portanto, a crítica da razão patriarcal, da razão machista e racista que pomos em movimento em sentido teórico e prático.
Nesse sentido, o feminismo é um paradigma teórico, mas também uma ética e uma política – uma ético-política – , forma e conteúdo da luta cujo procedimento é a desmontagem dos processos de poder como dominação, exploração e humilhação dos corpos marcados como sexuais, sensuais, maternais, marginais, negros, deficientes ou consumidores. É nesse sentido uma inevitável ressignificação do sujeito mulher sempre e essencialmente desamparado e violentado na lógica da razão machista.
Tendo isso em vista, me autorizo a escrever a vocês para falar da vocação de nosso movimento segundo meu ponto de vista, um ponto de vista inevitavelmente limitado. Falo em vocação pensando na voz que se projeta, na vocação que é interna à palavra que nos deu origem. Porque nosso movimento é como uma espécie de “fiat lux” que se pronuncia em um gesto sempre criativo acionado por cada uma de nós, como espero poder expor ao longo dessa carta. Ele surge de uma inspiração poética como aquelas que se tem nos bons encontros.
A partidA nasceu no contexto de reflexões sobre o feminismo nas quais estamos todas envolvidas de um modo ou de outro. Ela nasce de uma pergunta feita a companheiras feministas brasileiras sobre a fundação de um partido feminista no começo de 2015, quando o autoritarismo e o machismo avançavam e os sinais de um Golpe de Estado passaram a nos preocupar. Se a palavra partidA, nosso nome próprio, nasce da pergunta, é porque essa pergunta, essa dúvida, é seu nome secreto. Com isso, quero dizer: somos ainda uma pergunta. E talvez seja nosso dever filosófico-político permanecer nesse lugar.
Naquele momento histórico, ainda parecia possível esse tipo de iniciativa, ainda que soasse absurdo para muitas, o que ficou claro nos encontros iniciais que tivemos. Entre o sim e o não, optamos, como coletivo, pelo sim e pelo não. Não ao partido. Sim à partidA. O tempo histórico nos provou que aquele esforço seria realmente em vão na prática. Vivemos o Golpe de Estado politicamente traumático, eticamente perverso e estrategicamente perfeito num acordo machista, preconceituoso e racista que é parte das velhas e astuciosas estratégias capitalistas. Ao mesmo tempo, por que a história avança por contradições, comprovou-se que um partido feminista, ainda que concretamente impossível, seria realmente urgente. O sequestro do significante “mulher” por um atual partido machista é mais uma prova da perversão da política nacional que nos amedronta e envergonha. Esse exemplo vale para quem não desejou – e para quem assumiu o não desejo da outra – naquele momento o desejo de um partido feminista, independentemente dos motivos para essa rejeição. Agora, o aprendizado acerca das oportunidades históricas deve nos fazer ver o surgimento do partido perverso – em sentido estrito de uma inversão cínica – como uma ironia do destino.
Se impõe, portanto, a todas nós, uma reflexão crítica e autocrítica acerca do lugar histórico que ocupamos como feministas em uma país como o Brasil, um país no qual é possível surgir uma configuração do poder tal como o partido da mulher brasileira. O horror precisa ser contemplado com lucidez para ser parte do aprendizado nos processos de luta.
É nessa linha que podemos dizer que nosso movimento que funciona como um partido, e que se denomina desde o seu nascedouro como partidA, precisa ser repensado no contexto da sobrevida da política brasileira e da morte da democracia em seu estágio atual. Fazer política hoje implica também levar a sério esse luto no contexto da luta. E é nesse luto, uma atitude historicamente feminina, que podemos crescer em nossa luta.
Dito isso, me parece produtivo que nos dediquemos à meditação acerca do ato que instaura o nosso movimento-partido como um ato eminentemente poético. Ele se deu no Rio de Janeiro, no dia 25 de maio de 2015. Menciono essa efeméride mais por amor à memória feminista do que por idealizações quanto à origem. Mais por saber que vetores da memória movem os corpos em uma economia de emoções do que por dever historiográfico. Outras reuniões aconteceram no mesmo ano em São Paulo, Porto Alegre, Goiânia, Palmas, Belo Horizonte, Belém e outras cidades e podem, com tranquilidade, ser consideradas igualmente fundadoras, pois não somos fundamentalistas cronológicas e não incorreremos no erro de hierarquizar o tempo de nosso surgimento no Brasil. Sabemos que a origem no tempo cronológico quer dizer bem pouco quando comparado ao tempo de sua cotidiana originariedade. Em palavras simples, qualquer movimento se faz, se desfaz e se refaz a cada dia. Ao mesmo tempo, não podemos perder de vista os fatos concretos que constroem narrativas e significações.
É nesse sentido que eu gostaria de colocar em cena imediatamente a questão da potência teórica e prática de cada encontro que realizamos em nome da partidA. Justamente por nosso desejo desierarquizante, desejo que é constitutivo do movimento e longe do qual ele estaria completamente aniquilado, devemos sempre, a meu ver, cuidar de não hierarquizar nossas relações, e podemos fazer isso não hierarquizando nossos encontros. De modo que seria interessante ter em vista que o encontro que hoje chamamos de nacional não pode ser mais importante do que o pequeno encontro municipal ou até mesmo social que cada uma de nós realiza com as mais diversas companheiras em qualquer lugar do país. Do mesmo modo, o grupo que hoje se reúne, só pode fazê-lo chamando para si a humildade de estar de algum modo solitário diante das milhares de companheiras que não estão em presença física ou que, pelos mais diversos motivos, sentem-se afastadas hoje do movimento.
O lugar da presença que certamente motiva ações dos grupos que hoje tentam organizar a partidA segundo as melhores intenções, precisa ser autocrítico no sentido do poder que se assume em relação ao contingente de muitas companheiras cuja potência de expressão deve ser resguardada. A partidA não pode ser um mecanismo de exclusão ou de exclusivismo político. Tampouco pode estar presente em nossa lógica ou em nossa epistemologia o fisiologismo ou o descarte de pessoas. A partidA é, antes, integradora de minorias e de singularidades. Nesse sentido, termos como “orgânicas” e “colaboradoras”, que chegaram a ser usados por algumas de nós, me parecem totalmente nocivos ao que desejamos do movimento e, por isso, devem ser revistos urgentemente sob pena de burocratização e engessamento. Esses termos, bem como outros que não promovem a fratria e a sororidade, criam hierarquias, valorizam e desvalorizam pessoas, incluem e excluem dos lugares politicamente criativos que é tarefa da partidA construir. Devemos tomar cuidado com a máscara da estratégia, pois, caso as estratégias não sejam, ao mesmo tempo, negativas das estratégias, elas podem estabelecer parâmetros alheios ao desejo interno que constitui o movimento.
Penso que todas estamos sujeitas às artimanhas do poder. Nesse sentido, a importância deste momento está em revisarmos as armadilhas nas quais somos colocadas como pessoas comuns que inevitavelmente somos e que, na contramão, defendem uma ético-política feminista, esta sim capaz de desmascarar as artimanhas do poder se levada até as últimas consequências.
No entanto, não devemos nos assustar com isso, com a burocratização, com resvalos autoritários ou engessantes que possam surgir. Atentas ao ser próprio de nosso movimento, devemos saber que essas armadilhas fazem parte do metabolismo do poder e que aquilo que podem ser correções de rumo no contexto tradicional, devem ser momentos curativos no contexto feminista. O que estamos fazendo hoje é aproximarmo-nos do poder, e isso é perigoso. Penso, portanto, que nossa autocrítica é um cuidado no sentido mais feminino do termo. E me sinto profundamente reconciliada com certa ideia de “feminino”, neste momento, porque pessoalmente sempre preferi o feminismo como guerra por oposição ao cuidado. Para mim, hoje, ver a dialética entre essas formas de ação me surge como um caminho a seguir.
Tendo em vista o ato próprio de qualquer movimento que é a autocriação diária, e mais ainda do nosso movimento em sua nomeação simbólica e criadora de imaginário, gostaria de sugerir uma reflexão sobre nosso devir. Sobre o que somos e podemos nos tornar tendo em vista o que experimentamos até aqui.
Com esse objetivo, sinto-me obrigada a contar a vocês, minhas companheiras de luta feminista, sobre a minha própria relação com a partidA tentando escapar de um individualismo branco, sexista e burguês, risco de toda fala que não se expressa como um lugar dialógico aberto à outra, seja essa outra quem for.
É nesse sentido que preciso afirmar – como cada uma pode fazer, caso deseje – meu lugar de fala. A questão do lugar de fala tem sido importante em nossas elaborações teóricas e também eu tentei contribuir com alguns textos recentes, motivo pelo qual não me estenderei na elaboração deste aspecto enquanto, ao mesmo tempo, peço a consideração e o respeito feminista de buscarem oportunamente ler o que eu tentei expor dentro de meus limites. Aqui, gostaria de fazer este pedido amorosamente, pois não há nada mais feminista do que a escuta atenta e dedicada. Todas nós que escrevemos, seja filosofia, teoria política, literatura ou reportagem, sofremos do mal da desconsideração. A voz falada ou escrita sempre foi negada às mulheres. E, no caso que me diz respeito, também gostaria de dizer que não é fácil ser uma filósofa brasileira, latino-americana e mulher. Já sofri todo tipo de sexismo e de desvantagem, violências simbólicas e concretas no âmbito acadêmico, por ser mulher. Não costumo falar das particularidades da minha vida pessoal em público, pois a condição de vítima sempre é interpretada no mundo machista como culpa da própria vítima e eu prefiro, por destino ou temperamento, outros caminhos. Além disso, não escrevo, neste momento, tendo em vista os antagonistas do feminismo, mas apenas as companheiras nas quais deposito afetos e muita confiança.
Nessa perspectiva, o feminismo é, para mim, um dever que deriva da reflexão que não teme as consequências de sua própria seriedade e de sua inadequação em um mundo machista em todos os seus níveis. Se sobrevivi nos meios acadêmicos, midiáticos, literários, privados e públicos em geral, e se estou aqui a escrever esse texto para conversar com minhas companheiras de luta – que considero companheiras de vida – é porque sou feminista e durante toda a minha vida, mesmo antes de dar esse nome a uma postura política, eu agi como uma feminista e apenas por isso sou capaz de suportar pessoalmente o que significa ser mulher em uma sociedade como a nossa.
Mas digo tudo isso porque me parece importante colocar em questão mais um aspecto que, neste momento, ou em qualquer outro, acaba sendo considerado menor. Penso que todas nós lemos os textos sobre a partidA que nos servem tanto de fundamentação teórica, bem como de relato do seu advento. Refiro-me a alguns textos de minha própria autoria e também de Carla Rodrigues, de Élida Lima, Terezinha Vicente e outras. Como a história das mulheres é uma história de esquecimento e de negligência em relação à produção teórica, científica, artística e literária de mulheres, não podemos considerar que as participantes do movimento não os conheçam sem que isso se torne um problema entre nós, um problema a ser facilmente resolvido a partir de leituras básicas. A contribuição das professoras, filósofas e jornalistas – apesar do preconceito que pesa sobre quem leciona e até se expressa hoje em dia – não deve ser apagado. Esse apagamento é machista e mesmo as mais cuidadosas feministas podem incorrer nele. O mesmo vale quando pensamos na questão das mulheres negras, suas vidas, seus textos, que nos alertaram para tantas coisas. A negligência de quem participa do movimento em relação a esses textos configura a nossa própria participação no esquecimento do trabalho teórico das mulheres que é característica do patriarcado.
É tempo de pedir que me perdoem aquelas que possam sentir-se incomodadas neste momento com o tom pessoal deste relato, mas me parece que o feminismo, como postura ético-política nos exige esse lugar altamente confessional ao qual damos hoje o nome de lugar de fala. Historicamente o feminismo se constituiu como uma subjetividade a partir de textualidades que assumiram lugares de fala. O lugar de fala, como eu disse em outro momento, não é simplesmente o lugar da dor, mas o lugar onde nos dispomos ao diálogo. O lugar de fala feminista é mais um desnudamento e uma posição antidefensiva e antirreativa que se tem diante das companheiras, porque se trata de falar com quem pode nos escutar. O machismo é todo um processo, toda uma lógica do silenciamento, a lógica autoritária provocadora de um mutismo que atinge todos os corpos marcados como femininos. Um mundo sem diálogo, um mundo sem diferença e sem singularidades, é o seu objetivo.
É nesse sentido que eu gostaria de voltar a pensar a partir da metáfora constitutiva do nosso movimento, a metáfora que é o nosso nome próprio. A metáfora que se aciona a cada vez que dizemos ou escrevemos o nome partidA. Eu falo agora pensando na reflexão sobre a língua que encontramos nos textos de Glória Anzaldua e de Silvia Cusicanqui, filósofas latinoamericanas, uma chicana, a outra índigena Aimara. Apenas por lê-las é que me dei conta, e me sinto autorizada a dizer poeticamente, que a palavra partidA sai da minha boca como uma potência de luz, articula-se na minha língua dentro da minha boca e nesta língua brasileira, que nos impede de traduzir o termo com tranquilidade para outras línguas desde aquele dia 25 de maio de 2015. Pariu-se um dia como Afrodite, se me permitem dizer, e é parida a cada momento em que a dizemos e a ouvimos na boca de outras. Ao sair da minha boca, ao criar corpo na minha voz, eu a descubro como conceito. E falo que parte de mim, que parte de cada uma a cada vez que é pronunciada. E precisa ser pronunciada para ganhar corpo e, como corpo político, lutar contra o avanço do capitalismo-machismo-racismo. A partidA está no meu corpo que é o nosso corpo. É assim que podemos falar dela. Ela é o meu corpo e é o corpo de todas nós, como voz que se faz corpo e que se refaz como voz.
E neste momento, pergunto a cada uma: quem, sendo feminista não tem um compromisso com o corpo-voz das mulheres e de todos aqueles que são violentados física e simbolicamente pelo arranjo do poder entre machismo, racismo e capitalismo?
Desde aquele ato intuitivo, poético e político ao mesmo tempo, que nos deu lugar, me sinto completamente convocada pela metáfora que nos une. Devemos prestar atenção nesse aspecto, é uma metáfora política o que nos une e nos reúne. É uma palavra que nos liga a um compromisso criativo. Uma metáfora que tem função autopoética a cada vez que está na boca – essa cavidade uterina e, como tal, criativa – de cada uma de nós. Uma metáfora autopoética que não cessa, que não para, que é infinita em sua função auto-criadora.
Me parece portanto que, desde o início, cada uma de nós foi essencialmente convocada como participante de um movimento poético. Essa convocação não foi estratégica, não foi um programa de poder. Se há alguma intencionalidade nesse processo é o da recriação diária dessa metáfora viva capaz de levar a novos lugares políticos.
Apenas por ser poético, nosso movimento é político. Por isso ele é contra-hieráquico. Alguém pode, diante dessa colocação, dizer que a poesia é frágil comparada às forças do poder. Mas um pensamento como esse seria apenas a confirmação da adesão à lógica machista com a qual raciocinamos quando ainda não temos o feminismo como ressignificação política que se dá porque uma desmontagem das lógicas tradicionais entrou em cena.
O feminismo é uma utopia prática. É isso o que podemos considerar autopoético em nosso movimento. Uma utopia micrológica realizável a cada momento. Esse momento autopoético é sem dúvida o que nos livra de hierarquias e de disputas internas de poder. Por isso, nossa organização não pode ser diferente de uma auto-organização no sentido dado pelo filósofo da biologia chamado Ernesto Maturana: como autopoesis da natureza, a da arte, a da cultura, a autopoiesis da política. E para retomar uma teoria que não está mais tão na moda, mas que pode nos servir de design político, a partidA deve ter a estrutura de um fractal para poder reproduzir-se sem limites senão os da responsabilidade e do respeito feminista. É esta estrutura fractal que devemos sustentar no que podemos chamar hoje de práticAs como face autorealizadora do que enunciamos há tempos sob a expressão “princípiAs”.
A meu ver, um chamado à responsabilidade política feminista nos obriga, neste momento, a experimentamos uma reorganização, mas apenas no contexto da auto-organização a ser preservada na microfísica do cotidiano e do poder a ser combatido na proposta do nosso movimento-partido.
Nosso objetivo como movimento que funciona como partido é mudar, nos próximos pleitos, o cenário político no que concerne à participação das mulheres e ao lugar do feminismo. Acreditamos que é o feminismo como movimento de politização crítica das mulheres que pede passagem como ação transformadora. Por isso, é preciso investir todos os nossos esforços em formação, filiação, candidaturas, campanhas políticas e eleições. Isso pode se dar nos mais diversos âmbitos das politicas comunitárias, universitárias, estudantis, partidárias e públicas. Em 2017 e 2018 precisamos convocar campanhas de filiação enquanto protagonizamos as nossas personagens políticas para podermos candidatar e eleger feministas em 2018 e nos anos vindouros.
Nosso movimento-partido tem como função histórica causar efeitos concretos de desmontagem no poder tradicional estabelecido. Somos, nesse sentido, um movimento teórico e prático, mas eminentemente pragmático. Não é nossa função atuar em esferas nas quais atuam outros movimentos, ainda que haja momentos excepcionais. Nossa função é empoderar e protagonizar feministas para a participação no poder com o objetivo de transformá-lo em uma direção democrática feminista.
Todas as nossas estratégias e táticas devem se desenvolver nessa direção evitando distrações e descaminhos que possam comprometer o movimento e sua qualidade ativista-partidária. Por isso, quando muitas de nós se perguntam “que feminismo?” ou “qual feminismo?” devemos promover, é necessário responder com a pluralidade. Precisamos manter a pluralidade das perspectivas, fazendo do dissenso uma sabedoria política para além de disputas sofísticas. Nossa ético-política feminista pretende construir a democracia feminista com ativistas feministas das mais diversas tendências e ajudar lideranças de todas as gerações a ocuparem o poder contra qualquer arrivismo. Escapamos assim de transformar o feminismo em uma ideologia substitutiva do machismo em política.
Desejamos o feminismo como antissistema feito de feminismos em dissenso, desejamos o feminismo como forma ético-política na qual o singular e o coletivo, a teoria e a prática definem potências concretas de transformação social. Nosso movimento quer transformar o poder. Não desejamos o poder pelo poder típico da estrutural social anticomunitária machista. O feminismo dialógico visa à transformação do todo social caracterizado pelo patriarcalismo capitalista e racista.
Isso só se dará em nosso momento histórico se promovermos essa mudança concreta e ao mesmo tempo simbólica que implica que as feministas estejam no poder. Ocupar, por meio da filiação, da candidatura, da campanha, e, por fim, da eleição, todos os partidos de esquerda, é o vetor que firma nosso movimento no chão contra qualquer idealização machista que tem esfacelado a esquerda até agora.
Por isso, feministas do Brasil, com dignidade e coragem, ocupemos os espaços de poder!
Pois todas sabemos que a revolução será feminista ou não será.
Marcia Tiburi, professora de filosofia